Por Cybelle Guedes
Conforme disposição da Lei de Recuperação Judicial e Falências, o processo de recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação da crise econômico-financeira de uma empresa em crise, de modo a permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, objetivando, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica, bem como, o pagamento de tributos.
Nesse sentido, cumpre esclarecer que o espírito norteador da Lei de Recuperações de Empresas emana do artigo 170 da Constituição Federal de 1988, a qual regulamenta a “ORDEM ECONÔMICA” no Brasil.
Por sua vez, o artigo 170 da Carta Magna vem aclarar o conteúdo do artigo 1°, IV e 5°, XX do diploma Constitucional, dispondo inequivocamente sobre os princípios norteadores da “ORDEM ECONÔMICA”, quais sejam, soberania nacional, função social da sociedade privada (e da empresa), e emprego pleno.
Portanto, é unívoco que o problema da função socioeconômica da empresa em crise não passou despercebido por ocasião da tramitação do Projeto de Lei de Recuperação de Empresas e Falências, sendo certo que os princípios adotados na análise pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal do PLC 71/2003, e nas modificações propostas, se encontram relacionados com a questão de “ORDEM ECONÔMICA”, destacando a preservação da empresa, a recuperação de empresas recuperáveis, a retirada das empresas não recuperáveis, a tutela dos interesses dos trabalhadores e a redução de custo do crédito no Brasil.
O papel da empresa em crise merece ser interpretado segundo sua capacidade (operacional, econômica e financeira) de atendimento dos interesses que vêm priorizados pela norma legal e constitucional, nomeadamente os interesses do trabalhador, de consumidores, de agentes econômicos com os quais o empresário se relaciona, incluindo-se no último a comunhão de seus credores (principalmente aqueles considerados estratégicos para a atividade empresarial, como credores financeiros e comerciais, incluindo-se fornecedores de produtos e serviços) e, enfim, de interesses da própria coletividade, entre os quais se destacam aqueles relacionados ao meio ambiente.
Portanto, esse cruzamento de interesses não deve ser apenas quantitativo (considerados sob o enfoque de valor em dinheiro a ser satisfeito no curso da recuperação), como também qualitativo, prevalecendo nesse panorama os seguintes interesses declinados no art. 170, da Constituição Federal:
- Livre iniciativa econômica (art. 1°, V e art. 170, C.F.) e liberdade de associação (art. 5°, XX, C.F.);
- Propriedade privada e função social da propriedade (art. 170, I e II, C.F.);
- Sustentabilidade socioeconômica (valor social do trabalho, defesa do consumidor, defesa do meio ambiente, redução de desigualdade e promoção do bem-estar social, art. 170, caput e incisos V,VI,VII, C.F.);
- Livre concorrência (art. 170, V, C.F.);
- Tratamento favorecido ao pequeno empreendedor (art.170, IX, C.F)
Assim sendo, com cristalina clareza mostra-se que a Lei de Recuperação de Empresas nada mais é do que um desdobramento dos artigos 1°, IV, 5° XX e 170 da Constituição Federal de 1988. Veja-se, por exemplo, como a “ORDEM ECONÔMICA” regida no aludido dispositivo Constitucional é toda ela parte da Lei de Recuperação de Empresas.