Nada menos do que 1.242 empresas apresentaram pedido de recuperação judicial de janeiro a julho de 2024, segundo dados da Serasa Experian levantados nas varas especializadas e nos Diários Oficiais dos estados. Esses setes meses de 2024 já superam o mesmo período de 2016, quando foram registrados 1.098 pedidos — aquele ano foi de recorde histórico e terminou com 1.863 novas ações.
Mais um dado para fechar o quadro: em junho de 2024, 4.223 companhias estavam em recuperação judicial, segundo levantamento feito pela consultoria RGF & Associados.
Impactantes em todos os sentidos, os dados têm um lado positivo. Mostram que as empresas estão mais resistentes às dificuldades e estão recorrendo mais ao instituto da recuperação judicial do que se curvando diretamente ao processo de falência.
Os números referentes a falências confirmam essa impressão. Embora tenha havido um aumento de 13% de 2022 para 2023, os pedidos de falência diminuíram 23% de janeiro a julho de 2024, em comparação ao mesmo período do ano anterior. Já o número de pedidos de recuperação judicial explodiu de 2022 para 2023, com um aumento de 68%, passando de 833 para 1.405.
Entre 2019 e 2022, os pedidos de falência praticamente se equiparavam aos de recuperação. Já na soma de 2023 e nos primeiros sete meses de 2024 os requerimentos de recuperação judicial foram quase 70% superiores aos de falência.
Um fato que explica o crescimento benigno do número de recuperações judicias foi a aprovação da Lei 14.112, de 2020, que reformou a Lei de Recuperação Judicial e Falência (Lei 11.101/2005). “Antes vista como ‘calote legalizado’ por grande parte do empresariado, a recuperação judicial passou a ser encarada como uma solução para sair da crise — independentemente do porte da empresa. Os estudos e casos práticos rotineiros no sentido de desmistificar a lei têm mostrado que, apesar de complexo e por vezes moroso, o processo de recuperação judicial pode ser uma alternativa à resolução da crise, desde que utilizada com responsabilidade”, observa Rodrigo Spinelli, sócio do escritório BBMOV Sociedade de Advogados.
Na economia real podem ser encontradas as explicações para as dificuldades nada benignas que levam empresas ao campo da insolvência. Entre esses fatores, está o alto grau de inadimplência. No universo de 21,8 milhões de empresas em funcionamento no país, 6,9 milhões estavam inadimplentes em junho de 2024: uma a cada três. A soma de suas dívidas passava de R$ 146,2 bilhões, de acordo com o Indicador de Inadimplência, publicado desde 2016 pela Serasa Experian.
A inadimplência e a crescente nos processos de recuperação judicial não surpreenderam os especialistas do mercado. São entendidas, principalmente, como consequências das dívidas contraídas durante o período da pandemia de Covid-19. De 2020 a 2022, o governo interferiu fortemente na economia para garantir que não houvesse interrupção nas cadeias produtivas.
“As empresas deixaram de faturar, o relógio econômico praticamente parou porque elas não podiam funcionar, mas o relógio financeiro continuou rodando. Durante esse período de dois, três anos, com o acesso ao crédito facilitado, as empresas tomaram muitos empréstimos, porque o acesso foi muito fácil. Cessados esses auxílios, as empresas têm que pagar os financiamentos. Quando as empresas têm uma dificuldade maior, elas lançam mão dessas ferramentas de enfrentamento da crise, principalmente a recuperação judicial”, avalia Daniel Carnio Costa, especialista na área que hoje atua como advogado, mas que até 2023 foi juiz da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo.
“Ainda que muitos setores do mercado estejam atingindo números pré-pandemia, existe a questão do endividamento que diversos setores tiveram que suportar para conseguir passar por tal período. Diversos ramos tiveram queda de 90% do faturamento, sendo obrigados a dispensar e cortar todo o tipo de custo, sendo o endividamento uma saída momentânea, mas que precisa ser quitada. Os agentes financeiros forneceram crédito e por mais períodos de carência que possam ter fornecido, há um momento que tais valores devem ser pagos”, complementa o advogado Bruno Boris.