Uma análise sobre o Marco Legal das Garantias
por Cybelle Guedes Campos | Artigo publicado originalmente pelo portal Migalhas
O Marco Legal das Garantias começou a tramitar em novembro de 2021. Aprovado no Senado nesse último mês de julho, mas ainda passível de alterações e sanções, o projeto atual, diferente do início, não atende às promessas que ofereceu e, talvez, não cumpra o seu papel inicial. A ideia era simplificar as normas relacionadas às garantias de empréstimos, com objetivo de diminuir o risco de inadimplência do devedor e assim reduzir o custo do crédito, bem como desjudicializar o processo de execução das garantias, não inflando o sistema judiciário.
O texto que foi aprovado em plenário disciplina a execução de título executivo judicial e extrajudicial. Em relação ao texto que saiu da Câmara dos Deputados, uma das principais modificações é que ele retorna com o item que se refere à impenhorabilidade do único imóvel da família. O relator também colocou como opcional a criação das Instituições Gestoras de Garantia (IGG), intermediárias para avaliar os bens dos devedores, fazer o registro deles nos cartórios e promover a execução da dívida. Mas Weverton manteve a possibilidade de garantia do mesmo imóvel em mais de um empréstimo no banco — para créditos menores que o valor do bem, caso em que o empréstimo será fracionado. A Caixa Econômica Federal continua sendo a única instituição autorizada para penhor de bens móveis (como jóias).
É complicado e um tanto quanto delicado analisar um projeto que ainda não teve sua versão definitiva e que também teve tantas idas e vindas. Me atenho aqui ao que temos em mão nesse momento.
Antes de falarmos sobre uma questão de desjudicialização, precisamos dar um passo atrás e pensar: será que julgar os processos e dar andamento para que seja possível recuperar um crédito é realmente o maior dos problemas? Em média, a recuperação de um crédito demora cerca de 4 anos e meio. Um processo para a recuperação de crédito por meio de execução de uma penhora pode demorar até 18 meses para chegar a um juiz. O tempo que se segue é para execução da sentença ou para recursos. Olhando por esse viés, o problema maior não é julgar um caso, mas executar a decisão do juiz.
Todo esse processo de uma quantidade infinita de recursos, uma demora para a execução e a possibilidade de um único imóvel ser usado como garantia para diversos créditos tem como beneficiado somente o devedor. Fica para o credor o papel de buscar a execução do seu crédito e esperar sem saber se verá o seu valor devido ao final do processo.
Com esse cenário, é quase impossível acreditar que o Marco Legal das Garantias irá entregar o que prometeu no início: maior quantidade de crédito disponível com as instituições financeiras diminuindo o custo dos empréstimos. Talvez, com alguns pontos do Marco Legal das Garantias, isso não aconteça como se espera. Fatiar garantias entre muitos credores pode ser um caminho complicado e, em vez de baratear, aumentar o valor do crédito oferecido. Será que as instituições vão mesmo oferecer empréstimos tendo como salvaguarda bens já dados em garantia fiduciária a outras instituições financeiras?
O que precisamos, de fato, é uma mudança um pouco mais ampla. Do ponto de vista do Judiciário, precisamos olhar para o caminho do processo e até fazer uma análise mais ampla sobre possibilidade de recuperação de crédito ou não em cada caso, sendo mais criteriosos e encurtando caminhos, sem ferir o direito pleno de todos. Enxugar o congestionamento de sentenças em execução também é uma discussão que precisa ser aberta.
Infelizmente, o atual projeto do Marco Legal das Garantias como esta se torna frustrante diante da expectativa inicial e oferece benefícios aos devedores e coloca camadas de dificuldades extras para os credores.