O PL 3/2024 traz mais questionamentos e insegurança jurídica do que soluções para o processo falimentar
por Cybelle Guedes Campos | Artigo publicado originalmente pelo portal Migalhas
O Projeto de Lei 3/2024, recentemente proposto pelo Governo Federal para alterar a Lei de Recuperações e Falência, foi pautado na simples justificativa de agilizar os processos falimentares, que sofrem com a morosidade e ineficiência do sistema, e com o objetivo de fortalecer a atuação dos credores neste tipo de procedimento, conferindo-lhes maior protagonismo. Seu texto ainda será analisado pelos deputados e, posteriormente, pelos senadores. Ocorre que em razão da falta de explicações claras sobre a necessidade das alterações propostas, é necessário que esse tema ganhe destaque nos debates, notadamente no que diz respeito a introdução da figura do gestor fiduciário, que seria escolhido pelos credores em assembleia.
Pela análise das disposições propostas no PL, na sua essência, o gestor fiduciário desempenharia funções que, em grande parte, já são atribuídas ao administrador judicial. Essa duplicidade de papéis levanta dúvidas sobre a real necessidade desse profissional no processo de falência. Por qual razão criar uma nova figura quando os problemas fundamentais no contexto falimentar não residem na atuação dos administradores judiciais?
O principal desafio enfrentado atualmente no âmbito das falências é o excesso de judicialização. Muitas questões que poderiam ser tratadas extrajudicialmente são submetidas a um processo legal complexo e demorado. Isso leva a crer que ao invés de criar novas figuras, o foco deveria ser a simplificação e a desburocratização do atual procedimento falimentar com maior autonomia aos administradores judiciais, promovendo uma abordagem mais eficaz e ágil, como tem sido feito, por exemplo, com algumas alterações realizadas pelo Marco Legal das Garantias.
A proposta do Governo Federal traz também outra preocupação: não existe clareza quando se fala sobre as limitações aos honorários do gestor fiduciário e quem será responsável pelo pagamento deles, que poderá receber dentro dos valores de ‘mercado’, o que evidencia caráter subjetivo. A ausência de critérios bem definidos pode abrir espaço para abusos, prejudicando os interesses das partes envolvidas. Transparência e previsibilidade são elementos fundamentais para a credibilidade de qualquer sistema jurídico, e essa indefinição representa uma lacuna preocupante no PL 3/2024.
Além disso, a proposta carece normatizar os requisitos mínimos para a ocupação da função de gestor. A nomeação de profissionais não qualificados pode comprometer a eficiência do processo e prejudicar os credores. É crucial estabelecer critérios claros e objetivos para garantir a competência e a idoneidade daqueles que assumirão essa responsabilidade, seguindo, por exemplo, o modelo do artigo 21 da Lei 11.101/05, que regula a nomeação dos administradores judiciais.
O PL 3/2024 nos traz mais interrogações do que soluções. Em vez de fortalecer o trâmite falimentar, a pretendida introdução da figura do gestor fiduciário parece criar complexidades desnecessárias. Além das dúvidas já apontadas neste artigo, é importante ressaltar que o texto do projeto de lei também não apresenta um motivo claro para a criação dessa função. Enquanto o administrador judicial não representa o devedor, desempenhando, ao contrário, um papel de imparcialidade e passível de responsabilização na condução do processo, tal nível de clareza e responsabilidade não é explicitamente estabelecido em relação ao gestor fiduciário, que passa ser escolhido pelos credores, atuando supostamente em função destes.
É necessário adotar uma abordagem mais cautelosa, considerando a consolidação e avaliação das alterações recentes antes de promover outras, para assegurar que o sistema jurídico proporcione uma a tão almejada celeridade e eficácia ao sistema e por via de consequência à todas as partes envolvidas. Vale destacar que as mudanças realizadas em 2020 pela Lei 14.112, ainda não foram completamente colocadas em prática, e ainda não se tem uma métrica para aferir resultados a partir daquelas alterações; a pressa em introduzir mais novidades sem avaliar os impactos das reformas anteriores pode minar os esforços para aprimorar o sistema falimentar.